terça-feira, 9 de julho de 2019

Ensaio sobre sonhos - Caxemira


Sonho com uma casa em branco em uma paisagem afável e boa.
Dentro dela não há nenhuma cor. Todas as paredes, janelas e portas são brancas também.
Há diversos quartos, diversos cômodos, mas sem que haja nenhuma mobília sequer.
Suas escadarias ganham espaços em que portas estão dispostas como quadros pelas paredes.
E em uma porta específica, mais velha e desgasta que outras (aqui eu posso ver, por detrás da tinta puída, a cor da madeira tentando convalescer.
Esta porta me marca por não respeitar a altura do chão. Ela está disposta no alto da parede como uma escotilha ou janela.
Quando abro, visito um recinto sagrado, um relicário.
Aqui é o único lugar já visitado na casa em que há móveis. E além deles, há também muitas cores.
Neste lugar eu encontro, à minha esquerda, a cômoda que tive na infância -muito colorida, pois seu revestimento era uma colagem de gibis da Turma da Mônica-. Além do fato de que ela parece muito menor do que era (respeitando a perspectiva de que cresci sem vê-la, e, portanto, ela notadamente deve ser menor do que posso me lembrar).
Se abro suas gavetas, encontro pés de meia perdidos, toucas esquecidas, lucas que quase não me lembrava.
Em cima dela há um copo de Coca-cola que deixei em outra visita n'outro sonho. Porém, agora o líquido não ocupa mais o copo e tem-se a marca circular sobre o móvel.
Um cabideiro sem todas as hastes que quebrei durante a infância guarda, além do meu último casaco perdido, algumas peças que usava com frequência (como um colete jeans usado dos meus 4 ou 5 anos).
Há minha primeira cama forrada com o primeiro lençol que posso me lembrar (caxemiras bordadas no pano azul).
Há também alguns sapatos - principalmente da infância) enfileirados no chão à direita de quem entra no quarto.
Mas o que me intriga é o fato de, por alguns instantes, poder acessar tanta coisa que não lembrava me lembrar.
Ao fundo, uma parede -também branca- guarda ao alto um alçapão marcado por margens de madeira macia e limpa.

Eu nunca pude avançar no interior deste cômodo porque, antes que eu prossiga ao fundo, esta realidade me arrebata de volta e eu, intrigado com o que mais guardo naquele lugar, anseio sempre quando poderei voltar.

Além do fato de que, por algum motivo, já levei visitas à casa, mas que nunca puderam entrar neste quarto comigo.

E penso que, talvez por vaidade ou acaso, eu possa guardar ali, de algum modo, as palavras nunca ditas, os sonhos esquecidos, os desejos reprimidos e os textos não escritos.

Mas que, sem pesar ou mal sentimento, guardo entusiasmo em descobrir quando voltar ao meu lugar.

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