terça-feira, 29 de novembro de 2016

Chimaera

Sou fantasma


Embrumado, levito entre espaços

Faço de meus pés seus descalços

Sou sombra viva num espasmo imorredouro


Sou fantasma

Agonia de ponta cabeça

Ardente em cinzas, poeiras

Acorrentado entre a alma e o couro


Sou fantasma


Fico a espreita no lar

Sou pela noite a vagar

Costurado meus lábios

Um segredo a guardar



Fui fantasma


Cavalguei teu corcel

Amplos campos, floresces a mil

Rendi teus encantos

Prescrevi seu vazio


Fui fantasma


Em caravas eu parti

Lindos planos visitei

Em alegorias viajei

Mas nenhum lugar me trouxe a paz

como quando esteve aqui


O fantasma


Face sacra de um corpo quente

Mente vazia e coração dormente

Estampa o medo de forma latente

A triste certeza vazia na imensidão

Eu sou o que resta da nossa paixão



Fantasma.





sábado, 26 de novembro de 2016

Mas você ainda faz

Vi teu sorriso numa velha fotografia
Percebi que nunca mais rimos juntos

Vi teu corpo numa velha lembrança adormecida
Percebi que nunca mais nos tocamos

Vi teus olhos com um brilho inocente
Percebi que nunca mais nos fitamos

Lembrei da sua voz sussurrando qualquer coisa
Lembrei que já não nos falamos

Não me esqueci das suas palavras
Por hoje eu ser o seu silêncio.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Nem mesmo cisnes me fariam chorar

Procurei sob as luzes da cidade alguém que memoriaria sua presença forte em mim

Naveguei entre sentidos para buscar de alguma forma dar à vida outro sentido.

Busquei entre outros olhos o castanhos dos teus
Senti em outras peles a tua própria tez
N'outros narizes nenhum com seu perfil
Entre outros cabelos quis a tua indisciplina

Entre outras vozes, o doce timbre seu
Notei em outros lábios a falta que o seu fez
Senti entre desejos um que já não era meu
Busquei n'outros reflexos descobrir quem era eu.

E ao percorrer longas avenidas, ruas e passagens, acabei por nunca te encontrar
Quase como em desespero de minhas miragens, esqueci p'ronde voltar
Pois sem você não sei ser comedido, temo estar só, só temo estar perdido.

domingo, 20 de novembro de 2016

Tartalha

O tartalhar da máquina de escrever rompia o silêncio do cômodo

Nas paredes velhos quadros empoeirados curtidos de ócio

O chão de madeira disforme, seus tacos se agitavam querendo saltar do piso

A casa velha e una tinha melodia fria como as notas agudas de um piano

É que no mais profundo abismo daquele lugar havia escondido um tesouro

Suas sombras penumbrais das janelas finas e compridas causavam certa assinatura

Mas que o papel da máquina já se esgotava entre mil textos de ouro

Por trás de cada gesto gasto da ponta dos dedos digitantes havia medo

Em que a cada nota tinha uma palavra, e cada letra era um segredo.

Se havia havia agitação do vento era porque as cortinas queriam bailar

Mas que apesar de velho e gasto, tudo que havia era paz naquele lugar.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Éden

Parou em frente sua casa
De pés firmes no chão, olhou para cima
Avistou o quanto perdeu quando partiu
Um súbito de ansiedade e pavor o invadiu
Ele sabia que o confronto estava próximo
Mas ao invés de lamentar, sorriu

Adorava lidar com seus internos indesejos
Era como se tudo que pudesse ter
Não passasse de mero ensejo
Do que viria a seguir mudar a si mesmo

Tocou os portões enferrujados daquela casa
Orvalho em suas mãos, o portão rangia
A casa o observava de forma sombria
E o seu peito  antes quente, agora fervia

A vontade de entrar era irromper seu medo
Sua difícil escrita não foi suficiente
Sufocou o ímpeto e tentou ser paciente
Porque não tinha tempo por ter partido cedo


O barulho constrangedor do ranger estridente
Abriu-se em memórias resgatadas de um mundo acabado
Vagou por este lugar que já a muito havia abandonado
Ao redor, sementes infrutíferas d'uma árvore descontente,
Onde foi-se perder no infinito em sua mente

Enevoado, úmido onde um repousa e outro habita
Não entrava aqui porque queria
Observava o quintal sem saber pr'onde ia
Até a torre que ascende a alma, onde o corpo precipita

Fronte o desastre iminente, cerrou os olhos, aprendeu a voar
Pois que livre e leve, as paisagens mudam
Campos florescem e lagos inundam
Agora na casa permitiu-se adentrar
Despido do corpo que descansa nos jardins do lugar.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Ilustre

Há neste mundo montanhas tão altas que tocam o paraíso
Os prédios tentam e no máximo arranham céus

Há serras que fronteiram florestas e mares
As aduanas competem das coisas apenas
Enquanto nossas serras derrubam as árvores

Há neste mundo infinitos dias de sol e luar
E faz-se vinte e quatro horas para trabalhar

Há neste mundo um céu repleto de estrelas ilustrando o etéreo
A concebermos que a vida é a dádiva de existir em si
Enquanto a morte é advento do mistério.


Visita

Hoje ela esteve em meu sonho.


Eu estava em pé sobre um lago congelado. Era noite e estava nevando devagar. Minhas mãos nos bolsos e meu olhar fixo no gelo embaixo de mim.

Vejo uma sombra se aproximar e quando acompanho o olhar, vejo ela em pé na minha frente.

Seu cabelo bagunçado de sempre, o vento fazia questão de indisciplinar ainda mais. Os olhos dela refletiam as luzes da cidade a nossa volta.

Ela tinha tanto a dizer, estava arrependida por ter feito tudo aquilo, chorava e soluçava .. Eu fingia estar firme, mas o calor me irradiava de dentro pra fora. Pude sentir meu coração batendo forte como nas primeiras vezes que nos vimos.

Ela pediu para que eu a desculpasse pela partida dela.. Eu não podia acreditar que ela estava abrindo mão do orgulho por mim..

Antes que eu pudesse tirar minhas mãos do bolso para abraçá-la (porque claramente eu já tinha perdoado antes mesmo dela falar qualquer coisa) Os relógios marcaram meia noite. Era ano novo e eu acordei com os barulhos da cidade e do despertador.