sábado, 6 de abril de 2013

Minhas memórias póstumas.


A sola do seu calçado era de madeira. Como o piso que sentia-se agredido por tal, que contava o tempo, ritmado ao som pesado dum piano bem afinado e tocado com perfeição, que fazia a cena parecer um filme de ideologia utópica. Por ter os raios de sol invadindo a sala pelos enormes vidrais que emparedavam o ambiente muito  bem arquitetado.

Talvez um desenho não fosse bom para resumir a perfeição da visão que se tinha do vidro emoldurado em velha madeira.
Mas que bonito era o rosto daquela garota que faz soar aquelas notas consonantes e melancólicas.

Talvez ela esteja inspirada em sua alma, talvez a música seja um pequeno grande fragmento de seu espírito. "Seu rosto angelical e doce tem me feito triste. "
Disse o homem de garbo, mas sem resposta, resolveu desistir de outra tentativa. Começou então a dançar com os braços levantados, como se alguém estivesse o acompanhando naquela triste valsa.

Ele girou a sua esquerda, passando por entre os raios de sol e revés.

Girou de volta à penumbra, à mesma medida em que ficava nítida a imagem do negro vestido longo da mulher que o acompanhara naquela valsa.

Havia anjos enchendo o ambiente e tudo estava monótono e deveras ritmado.
O único contraste era o breu do vestido, que estava transparecendo aos poucos.

A única que se mantinha firme e concentrada era a doce pianista, que parecia ter sido tirada de uma pintura renascentista. Era perfeita a guria. Desmaiaria qualquer mortal que não pudesse acabar com sua beleza, já que mortais não sabem apreciar sem destruir.

Era o que não pensava aquele homem que valsava bem ordenado com uma linda senhora bem lineada que aparentava não mais de trinta ou quarenta anos.

Mas como o fim é esperado a todos, a valsa foi se cansando dos bailarinos e os fez emudecer.
Dançaram e dançaram..
Até que se misturaram às notas, e os raios de sol foram dissipados entre a bruma que se formou de lugar nenhum, mas que envolveu cada par daquele fúnebre baile.
E quando ninguém mais notou, não havia mais ninguém na sala. Nem bailarinos, nem anjos, nem sapatos. Apenas o eco de cada tecla do piano sendo fortemente tocada e os lindos raios de sol tocando o chão de madeira muito bem polida.

Todos ali não existiram, exceto um. Que não ficou para nos contar como foi ter valsado sua própria despedida ao som de seu anjo protetor.

Que dor é se perder em seus delírios. entretanto, pior é delirar de  dor.


Aqui jaz uma memória;
É uma dor completa permeada por delírios.


Aquele homem nunca viu outro raio de sol.

Talvez tudo tenha se passado no meio tempo em que o homem perdia os sentidos e encontrava o chão.



Constatado o óbito: 03/10/2013 às 15:42
(bradipneia irregular, congestão traqueobronquial,hipotensão arterial resultante de overdose por Fenobarbital).

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Um passo a frente, um olhar de nostalgia proibida.



Sinto o amargo da minha boca sendo posto em brasas. Acho que é meu coração batendo forte demais, esquentando o que já tampouco era morno.

Mas que curioso e desgraçado é o ser humano. Enquanto sozinho, anseia por algo, e quando bem, não sabe como dar o próximo passo.

Entendi!


Enquanto não se tem nada, somos trilhados pela busca incessável do que quer, sem que ninguém interfira.

Mas quando você tem o que deseja, não tem o quê desejar. Você passa simplesmente a não existir. Porque o que é inerte, não existe.


Eu estou desacelerando, sentindo de olhos fechados, cada pelo do meu corpo enrijecendo com a violência que meus pensamentos estão tomando.

Agora é tarde, a confiança foi herdada àquela que não fez jus ao seu amor e agora chora por não ter nenhum.

A morte vem como a dama do vestido negro tal quais são seus olhos, profundos como a noite escura que amedronta e amadurece toda criança e engana os marujos, que erram as rotas e afundam seus navios bem tripulados, tornando-os náufragos da solidão.


As bolhas sobem, meu corpo afunda
Tento achar algo em que me segurar e não consigo tocar nada.
A água é muito gelada e eu entro em desespero
O escuro me abraça e me convida à uma valsa fúnebre que eu nunca aprendi
Heis que a luz veio de cima para nutrir o escuro e me levar à saída daquele lugar.

Se aquilo era um útero e eu acabei nascendo, queria eu ter feito pouco para tal.
Seria talvez proveitoso ter sido o apoio de outrem que propositasse de maior valor que eu.
Ou a luz nunca foi o caminho e eu fechei os olhos para o que me salvou?

Que lindo é gozar da vida o que pondera. Pudera eu ter me afogado.
Mas os raios de sol me levantaram dessa vez.

Eu não caí de um precipício, eu não me afoguei, eu não morri, eu não matei.


Mas estou vivo mais um dia.
Para esquecer tudo e viver o primeiro dia do resto da minha vida e infelizmente para lembrar de cada gota do ácido líquido que me toma em cada passo.

É impossível seguir em frente sem carregar os pesados fardos que o passado presenteou-lhe outra vez.